domingo, 21 de setembro de 2008

A CARA DA (IN)JUSTIÇA NO BRASIL

Matéria de Capa do Jornal Folha Universal - semana de 21 a 27 de setembro de 2008
Injustiçados
Fonte:
http://www.folhauniversal.com.br/integra.jsp?codcanal=981&cod=137877&edicao=859
Por Daniel Santini
daniel.santini@folhauniversal.com.br

No Brasil, a Justiça é cada vez menos cega. Vê pobres e ricos de maneira bem distinta. Nos últimos dias, dois casos de inocência mexeram com o País. Neste momento, muitos outros brasileiros vivem a mesma situação Moradora de Taubaté (SP), Daniele Toledo do Prado, de 23 anos, teve uma forte dor de cabeça na semana retrasada e viajou para uma cidade vizinha em busca de ajuda. Não pensou, nem por segundo, em pedir auxílio no Hospital Universitário ou no Pronto-Socorro Municipal de Taubaté, locais em que viveu, em outubro de 2006, os piores momentos da vida. Quase 2 anos após ter sido acusada de colocar cocaína na mamadeira e matar a própria filha, de 1 ano e 3 meses , a mulher ainda luta para se restabelecer. Foi absolvida da acusação no começo do mês e agora pretende entrar na Justiça pedindo indenização do Estado e de 15 jornais, rádios e televisões que a condenaram de pronto na ocasião, sem direito à defesa. A mãe foi presa e espancada por companheiras de cela, perdeu 70% da visão do olho direito e 90% da audição do ouvido direito, além de ter sofrido microfraturas no crânio, fraturas na mandíbula e na clavícula. “Dia 1º saiu a sentença a absolvendo. A Justiça reconheceu que a polícia foi prematura, mas algumas pessoas até hoje não se conformam. Agora que o assunto voltou à tona, de novo ela tem sofrido agressões na rua”, conta à Folha Universal a advogada Gladiwa Ribeiro. Infelizmente, o caso não é único. A injustiça faz parte da rotina do sistema repressivo do Estado, especialmente para pessoas pobres e sem condições de contratar advogados particulares. Mudam os nomes dos carrascos, mas o drama quase sempre é o mesmo. No caso da mãe, o delegado Paulo Roberto Rodrigues, que horas depois da morte da criança já a acusava de tê-la envenenado, não só passou de titular da Delegacia de Investigações Gerais para o setor de inteligência da Polícia Civil como foi homenageado pela Câmara dos Vereadores. Nem 1 ano após ter decidido sozinho que a mulher era culpada e anunciado o veredicto na imprensa, ganhou o título de cidadão taubateano. Absurdos à parte, a rotina de injustiças fica mais cruel se considerado o impacto no caótico sistema penitenciário. De acordo com dados de junho do Ministério da Justiça, dos 381.112 presos em todo o Brasil, 130.745 ainda aguardavam julgamento como presos provisórios. Isso num contexto em que, segundo a Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário, não é raro encontrar pessoas que continuam detidas após o tempo máximo da prisão preventiva (81 dias). Fora que a superlotação estimula o crime organizado.Prender e arrebentar Juristas experientes questionam a lógica e a eficiência do sistema que ignora o direito de defesa dos mais pobres. “Precisamos mudar a idéia de que prisão de acusados soluciona tudo. A condenação no atacado não resolve; só piora e faz show. Nosso sistema penitenciário é um dos mais apodrecidos do mundo. É uma usina de criminalidade”, diz o advogado criminalista José Roberto Batochio, ex-presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Há juízes que acham que ao mandar gente para a cadeia tornam-se heróis. Prender, bater e arrebentar é moda. Depois, saem naquelas campanhas como xerifes”, critica. Conforme previsto na Constituição, todos têm direito de defesa. Democratizar a Justiça é um desafio que envolve o fortalecimento das Defensorias Públicas. Quem não pode pagar um bom advogado deveria, conforme a lei, contar com um defensor de qualidade do Estado. Infelizmente, nem sempre é isso o que acontece, segundo o diretor da Associação Nacional dos Defensores Públicos, Rafael Muneratti. “Em todos os estados o número de defensores é insuficiente. É só comparar o número de promotores e o de defensores. Constitucionalmente, em todo o Brasil deveria haver o profissional que acusa, mas também o que defende. Senão, é óbvio que a defesa vai ficar deficiente”, argumenta. Realmente, o desequilíbrio chega a ser gritante. Em São Paulo, enquanto o Ministério Público conta com 1.709 promotores, o número de defensores é de 400, segundo levantamentos feitos em 2004 e 2005. Ao todo, no Brasil, há 8.716 promotores atuantes e 6.575 defensores. Estados como Goiás e Santa Catarina ainda não têm Defensoria Pública. “Com mil casos na mão, o defensor não tem condições. Não sobra tempo. Quem é rico pode contratar um advogado para se dedicar exclusivamente e consegue a liberdade. É só ver o caso do Daniel Dantas. Por que quem tem dinheiro consegue sair da cadeia e quem não tem, não?”, analisa Rafael Muneratti, referindo-se ao banqueiro que, por ter advogados bem preparados, entrou com um pedido de habeas-corpus antes mesmo da prisão ser decretada. Ao ler nos jornais que poderia ser alvo de uma ação da Polícia Federal, o poderoso Dantas fez a engrenagem da Justiça girar a favor dele. Teve duas prisões decretadas, foi capturado em ambas, mas não passou mais de 24 horas seguidas atrás das grades. Ele cita ainda o caso dos três homens de Guarulhos (leia quadro ao lado), para insistir na necessidade de se democratizar a Justiça no Brasil. “Infelizmente, temos que aproveitar esses casos trágicos para alertar sobre a necessidade do fortalecimento da Defensoria. Só quando acontecem casos específicos é que se dá atenção. O problema não vai se resolver sozinho”, diz o defensor.

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