segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Pan, uma chance desperdiçada


As políticas de incentivo à construção civil e à compra de imóveis, servem de estopim para especulação imobiliária. Os imóveis assumiram valores inimagináveis. Muito além das possibilidades da grande maioria dos trabalhadores. Quem compra, para pagar em 30 anos, está vendendo a alma. Parece a conversa do carro zero em 72 parcelas... Em compensação, os especuladores estão comprando imóveis longe de tudo, loteando, pagando uma miséria para pedreiros e serventes, construindo casas de segunda qualidade e colocando-as à venda a preço de ouro. Coitado de quem compra. Pagar a dívida imobiliária vai ser o mesmo que comprar a carta de alforria...
O TCU revela como, especificamente no Brasil, eventos como Pan, Copa e Olimpíada, além de demonstrar como a desarticulação política e a falta de interesse das autoridades no bem-estar da população, servem apenas para enriquecer uma meia dúzia de oportunistas, deixando atrás de si um rastro de superfaturamentos, decisões erradas, rombo no erário público, manutenção do caos urbano e tudo mais de ruim que se possa imaginar. Lamentável...

O caos na organização dos Jogos Pan-Americanos e o pouco benefício que eles devem trazer ao Rio evidenciam quanto se planeja mal no Brasil oficial -Sergio Moraes / Reuters
Veja também: Veja o especial da Abril sobre o Pan
Revista EXAME -
Um dia após a entrega da última medalha dos Jogos Olímpicos de 1992, os moradores de Barcelona, na Espanha, acordaram diante de uma nova realidade. Encerrada a movimentação de atletas e visitantes, restou uma cidade reurbanizada e moderna. Encantados, os turistas se multiplicaram -- desde então, o número dobrou para 5 milhões de pessoas por ano, o equivalente ao que o Brasil todo recebe. O ciclo de desenvolvimento iniciado com os preparativos dos jogos não parou mais. O impulso partiu do investimento de 10 bilhões de euros na preparação da cidade para abrigar o evento -- 60% destinados a obras de infra-estrutura. Barcelona foi do 11º para o 6º lugar entre as melhores cidades da Europa para realizar negócios, desbancando Milão e Zurique. No Rio de Janeiro, quando o último atleta for embora após os Jogos Pan-Americanos, em julho, restará aos moradores uma sensação de ressaca. Nenhum dos projetos custeados pelo orçamento de mais de 3 bilhões de reais -- oito vezes a previsão inicial -- mudará em um milímetro problemas graves da cidade. As propostas de melhorias ambientais e nos transportes, alardeadas como legado do evento, ficaram pelo caminho. Ao que tudo indica, o Pan caminha para ser mais uma espetacular chance perdida de recuperação da infra-estrutura da cidade -- ao contrário, é bem possível que no futuro seja lembrado como mais um caso de falta de planejamento e estouro de contas pagas com dinheiro público sem apresentar o resultado prometido. "O Rio ganharia muito mais se gastasse na busca de soluções de seus reais problemas, não no Pan", diz o economista americano Allen Sanderson, da Universidade de Chicago e estudioso do tema.
Quando o Rio se candidatou a sediar o Pan, em 2002, criou-se uma expectativa de que a cidade passaria por grandes mudanças. E não foi à toa. O grupo responsável pela candidatura, formado pelo Comitê Olímpico Brasileiro e por integrantes dos governos municipal, estadual e federal, se esforçou para impressionar a Organização Desportiva Pan-Americana (Odepa), responsável pelos eventos. Para desbancar a americana San Antonio, a equipe apresentou inúmeros projetos de melhoria na infra-estrutura carioca. Da Barra da Tijuca, que abrigará os 5 662 atletas e 70% das competições, sairiam uma nova linha de barca até o centro, uma linha de metrô e um bonde até o aeroporto. A engarrafada via expressa que liga o bairro à zona sul seria duplicada. Cinco lagoas da região seriam despoluídas. Era de esperar que o Rio, guardadas as devidas proporções entre uma olimpíada e um pan-americano, realizasse algo na linha do que fez Barcelona. Após a olimpíada, a cidade espa nhola ganhou uma nova orla, vias expressas e novas redes de telecomunicações e de esgoto. No Rio, porém, o orçamento estourou sem que nada similar saísse do papel. "Aquele era o momento de pensar em soluções para problemas como falta de segurança, transporte deficiente e poluição, em especial a da Baía de Guanabara", diz Georgios Hatzidakis, diretor da consultoria Olympia Sports, de São Paulo. "A cidade perdeu uma bela oportunidade de melhorar."
Largada ruim
Veja quais foram as principais falhas no planejamento do Pan do Rio.
SuperdimensionamentoA estrutura construída é digna de olimpíada. Seria possível fazer o evento reformando instalações já existentes. Os gastos superaram 3 bilhões de reais ? oito vezes o orçamento inicial.
Serviços subestimadosAs reais necessidades de segurança e telecomunicações só foram identificadas nos últimos meses. O sistema de credenciamento precisou ser refeito. O custo passou de 55 000 para 9 milhões de reais.
Promessas vaziasNo dossiê de candidatura, a cidade comprometeu-se a duplicar vias urbanas, despoluir a Baía de Guanabara e construir uma nova linha de metrô. Por falta de coordenação entre governos, nada disso foi feito.
Fontes: TCU
Barcelona mostrou ser possível usar um evento esportivo para justificar a necessidade de investimentos em infra-estrutura e, assim, reerguer-se economicamente. Lá, o compromisso de realizar as obras foi assumido pelos governos federal e municipal em um plano estratégico elaborado no início dos anos 80. "Faltou ao Rio um projeto que coordenasse o comprometimento das autoridades com as melhorias", diz Celso Sartori, professor de marketing da escola de negócios Ibmec-Rio. Ao perceber que o evento encantava o público, os organizadores do Pan mudaram as prioridades. Com aval dos governos municipal, estadual e federal, decidiu-se construir mais instalações esportivas, em vez de reformar as existentes. Não sobrou recurso para as obras de infra-estrutura previstas. "Optamos por aproveitar a chance de credenciar a cidade para uma olimpíada", diz Carlos Roberto Osório, secretário-geral do comitê organizador do Pan. "As obras de infra-estrutura não eram obrigatórias. T ivemos de eleger prioridades." Para o prefeito do Rio, César Maia, as promessas visavam apenas "acelerar discussões". "Nem havia tempo para tudo isso", disse Maia a EXAME. "As instalações esportivas serão o maior legado do Pan." Ou seja, as promessas eram para ser apenas promessas.
A visão do Tribunal de Contas da União (TCU) é diferente. Em relatório divulgado recentemente, o ministro Marcos Villaça aponta o superdimensionamento da estrutura esportiva como uma das causas dos inúmeros problemas na organização -- atrasos nas obras e aumento desmedido dos gastos. Para agravar, devido a picuinhas políticas, César Maia cuidou sozinho do evento na maior parte do tempo. As coisas só melhoraram com a mudança no governo do estado e a conclusão tardia de que o governo federal precisaria contribuir com mais do que os 200 milhões de reais previstos inicialmente. Até agora, os gastos da União somam 2 bilhões de reais. Outro problema foi a falta de um plano de metas. Segundo o relatório do TCU, muitos projetos nem sequer tinham prazo para conclusão, o que causou transtornos em cascata. A instalação da rede de telecomunicações está atrasada porque não há como entrar nos prédios ainda em obras. Se por um lado houve excesso, por outro fora m identificados erros crassos de necessidades subestimadas. Um deles foi com o sistema de cadastro e segurança. Reprovado na última hora pela Associação Brasileira de Inteligência, precisou ser refeito ao custo de 9 milhões de reais -- 163 vezes o previsto. "O planejamento foi aprovado pela Odepa, e os problemas foram pontuais", diz Osório.
Devido à sucessão de atrasos e imprevistos, os serviços passaram a ser contratados às pressas, sem licitação, para evitar que os jogos repitam o vexame da última edição, realizada em 2003 na cidade de Santo Domingo, na República Dominicana, e marcada pela virtual inexistência de organização e infra-estrutura. A urgência acentuou o descontrole de gastos. O Pan do Rio custou 12 vezes mais que qualquer outra edição dos jogos. "Temo que as dimensões sejam exageradas para as necessidades da comunidade", diz Villaça. Uma das obras mais criticadas é o estádio João Havelange, que consumiu 400 milhões de reais, quase três vezes o orçamento inicial. "Para que um novo estádio se temos o Maracanã a poucos quilômetros de distância?", diz Luiz Mário Behnken, diretor de uma organização que fiscaliza o legado do Pan.
Ainda que tudo dê certo e as instalações sejam entregues antes do início dos jogos, em 13 de julho -- o que parece improvável --, os problemas de infra-estrutura persistem e são tratados com improviso. No trânsito, haverá interdições de ruas para que atletas circulem em corredores exclusivos. Com isso, a previsão é que os moradores e os 700 000 turistas esperados deverão padecer ainda mais nos congestionamentos. Por enquanto, não há solução para o lixo que bóia na Baía de Guanabara e ameaça as provas de vela que lá acontecerão. Na Barra, o mau cheiro das lagoas poluídas é constante nas redondezas da Vila Pan-Americana, onde ficarão hospedados os atletas. "Se houver grandes transtornos, será uma pá de cal na aspiração da cidade de sediar uma olimpíada", diz Amir Sommogi, consultor esportivo da Casual Auditores. Como se vê, os brasileiros têm de torcer muito neste Pan -- e não apenas pelo sucesso de nossos atletas.

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