Por Fernando Porfírio
Já está no forno uma ação de improbidade administrativa contra o promotor de Justiça de São Paulo Marcelo Mendroni, que tirou licença remunerada para fazer curso na Itália e é acusado de não frequentar as aulas. O autor da ação será o chefe do Ministério Público paulista, Fernando Grella. Ele vai pedir a devolução dos vencimentos recebidos pelo promotor quando estava de licença remunerada para fazer pós-doutorado na Universidade de Bologna.
Mendroni se diz surpreso com a eventual propositura da ação uma vez que a própria Procuradoria-Geral de Justiça já havia arquivado o inquérito civil que apurava se houve ato de improbidade. Para Mendroni, a nova investida do chefe do Ministério Público acontece sem provas suficientes.
Os elementos novos que justificariam a ação seriam uma carta assinada pelo professor Giulio Illuminati, reitor da Universidade de Bologna, enviada ao procurador-geral Fernando Grella e um Procedimento de Controle Administrativo (PCA 437/2009-90), que tramita no Conselho Nacional do Ministério Público. O PCA tem o mesmo objeto da eventual ação de improbidade, ou seja, o ressarcimento aos cofres públicos do dinheiro gasto pelo promotor de Justiça enquanto estava na Itália.
Mendroni, no entanto, se defende e diz que, a tal cara (leia no final do texto) o favorece. O documento explica em detalhes as normas do curso de pós-dotorado a que ele se submeteu. Mendroni sustenta que a sua participação no curso foi autorizada pelos integrantes do Conselho Superior do Ministério Público e a decisão nunca foi contestada.
“Em nenhum caso é prevista matrícula, controle de frequência, conferimento de um título e valoração formal do aluno”, afirma o professor Giulio Illuminati, na carta enviada ao procurador-geral de Justiça, Fernando Grella. “É possível, portanto, desenvolver a pesquisa pós-doutorado em seis ou oito meses, como no caso do doutor Mendroni”, completa o professor italiano.
O outro fato novo, o PCA que tramita do Conselho Nacional do MP, voltou, na última segunda-feira (10/8), para as mãos do conselheiro Cláudio Barros e Silva. O conselheiro havia requerido cópia ao chefe do Ministério Público paulista do inquérito civil que apura eventual ato de improbidade administrativa. Cláudio Barros e Silva ainda requisitou informações do corregedor geral do Ministério Público de São Paulo, Antonio de Padua Bertone Pereira, e ouviu o promotor de Justiça Marcelo Mendroni e mais duas pessoas interessadas na investigação: Alexandre Garro Brito e João Felippe Rodrigues.
Na esfera administrativa, a Corregedoria do Ministério Público paulista aplicou ao promotor de Justiça à pena disciplinar de suspensão de um dia. O motivo alegado foi a não observação de deveres funcionais, por conseguir licença para frequentar o curso de pós-doutorado e não efetivar matrícula ou obter o título.
Em fevereiro, o Órgão Especial do Colégio de Procuradores do Ministério Público de São Paulo confirmou a punição. Em maio, a Corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) manteve a decisão do colegiado paulista ao negar reclamação (RCL 0.00.000.000006/2008-42) apresentada contra a decisão.
Em São Paulo, no campo judicial, o inquérito civil que investigava suposto ato de improbidade administrativa foi arquivado por decisão do procurador-geral de justiça, Fernando Grella. A decisão foi contestada junto ao Conselho Nacional do Ministério Público e três conselheiros se manifestaram contra o arquivamento em outro procedimento.
Em entrevista ao site Consultor Jurídico, o chefe do Ministério Público paulista, Fernando Grella, definiu a investigação como um “caso peculiar”. Segundo o procurador-geral de Justiça, o Conselho Superior do Ministério Público autorizou o promotor Marcelo Mendroni a fazer o curso de pós-doutorado e não cassou a autorização.
De acordo com Grella, a divergência nos órgãos superiores do Ministério Público surgiu depois que o promotor de Justiça voltou da Itália. Ainda de acordo com o chefe do MP, as opiniões diferentes consistiam em saber se Mendroni tinha que comunicar ao Conselho Superior de que não havia matrícula e nem avaliação do curso de pós-doutorado.
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Por Fernando Porfírio
“O Conselho (CSMP), quando deu a autorização, sabia que era para pós-doutoramento e sabia que, portanto, não teria o mesmo tratamento que um doutoramento ou que um mestrado”, disse Grella durante a entrevista para a ConJur. “Entendo, num primeiro momento, que o comportamento dele pode ter tido irregularidade de caráter disciplinar, mas que não chega a configurar improbidade administrativa”, concluiu o procurador-geral na época.
O curso O promotor Marcelo Mendroni ficou na Itália por cerca de seis meses, entre novembro de 2006 e junho de 2007. Neste período, recebeu normalmente seus vencimentos — cerca de R$ 21 mil por mês.
Ele conseguiu o aval para frequentar o curso e continuar recebendo salário em abril de 2006, quando participou da reunião do Conselho Superior do MP e apresentou sua proposta de fazer pós-doutorado no exterior. Na ocasião, o promotor falou sobre a pretensão de pedir afastamento temporário, depois de ter recebido um convite da Universidade de Bologna para estudar o tema Valoração da Prova no Processo Penal, com ênfase nos crimes econômicos. Aos conselheiros, pediu autorização para se afastar por 14 meses e disse que, para isso, pretendia usar seus períodos de férias.
Para justificar a sua ida, lembrou de quando voltou do curso de pós-graduação em Madrid, na Espanha, e atendeu a convites para disseminar o aprendizado. Contou que coordenou com a Escola Superior do Ministério Público (ESMP) seminário especializado sobre crime organizado, publicou artigos e três livros com tudo o que aprendeu, entre novembro de 1995 e outubro de 1997.
No final de sua defesa, se comprometeu a compartilhar com o Ministério Público os ensinamentos do novo curso. Na reunião seguinte, os membros do Conselho Superior aprovaram a licença de seis meses.
Em agosto de 2007, depois de retornar da Itália, Mendroni apresentou o relatório sobre o período. Os conselheiros, seguindo voto do relator Daniel Fink, converteram o julgamento em diligência. Solicitaram à administração do órgão informações para saber se Mendroni pediu férias ou licenças antes ou depois do período em que ficou afastado para o curso na Itália e também a data em que reassumiu as suas funções no Ministério Público.
Em reunião extraordinária no dia 16 de outubro de 2007, o Conselho não aprovou o relatório e determinou que a Corregedoria do Ministério Público e a Procuradoria-Geral de Justiça investigassem o caso.
Durante o período em que o promotor de Justiça era investigado, a Corregedoria do Ministério Público recebia dezenas de e-mails diários contrários a Marcelo Mendroni. De acordo com fontes que acompanharam o procedimento, as mensagens pareciam obedecer a uma estratégia de campanha contra o promotor. Os e-mails chegavam de diferentes estados do país.
Marcelo Mendroni se notabilizou na carreira como promotor de Justiça por dois casos criminais de grande repercussão: a investigação da chamada máfia dos fiscais, que envolveu as administrações de Celso Pitta e Paulo Maluf na prefeitura de São Paulo, e a empreitada contra líderes da Igreja Renascer em Cristo. Na primeira, o promotor era integrante do Gaeco (braço do Ministério Público com atribuição para investigar o crime organizado). Na outra, já era um dos promotores de Justiça criminal da capital.
Leia a tradução da carta enviada ao Ministério Público:
O Diretor Bologna, 11 de março de 2009 Ilmo. Sr. Procurador Geral de Justiça Ministério Público do Estado de São Paulo
A pesquisa pós-doutorado é uma atividade oficial do Departamento, dirigida por um docente responsável, mas não formalizada em nenhuma disposição específica normativa e de duração não pré-determinada. A Lei e o regulamento do Ateneo disciplinam somente a atribuição, aos doutores de pesquisa de mais mérito, que fazem solicitação, de bolsa de estudo, incompatível com qualquer outra forma de retribuição, de duração de dois anos, ao término dos quais é solicitada somente a apresentação de uma relação sobre a atividade desenvolvida, exclusivamente para o controle do financiamento empenhado. Em nenhum caso é prevista matrícula, controle de freqüência, conferimento de um título e valoração formal do aluno.
Como resulta claramente também da carta de convite, se trata de um período de pesquisa individual, cuja duração e cujo programa vêm acordado livremente entre o pesquisador e o docente responsável, já que não existe nenhuma previsão legal ou regulamentar, mesmo considerando que a atividade pertence claramente às funções que a Lei atribui aos Departamentos universitários. É possível, portanto, desenvolver a pesquisa pós-doutorado em 6 ou 8 meses, como no caso do Dr. Mendroni.
O Dr. Mendroni, como resulta também das minhas cartas de 27 de junho de 2007 e de 31 de março de 2008, desenvolveu a sua pesquisa pós-doutorado de novembro de 2006 a junho de 2007, em tema de medidas processuais contra a criminalidade organizada, com diligente aplicação e constante presença no Departamento. Parte dos resultados da pesquisa estão publicados em duas obras em língua portuguesa, Curso de Investigação Criminal (2ª edição) e Crime Organizado (3ª edição), da qual tive a honra da escrever o prefácio.
prof. Giulio Illuminati
ALMA MATER STUDIORUM * UNIVERSITÀ DI BOLOGNA
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