A que ponto chegamos! Tiraram Quartiero de sua terra, tomaram-lhe todos os bens e ainda querem que empreste o maquinário para a colheita? E esse pessoal da Justiça e Polícia Federal? O direito ao trânsito em julgado de qualquer decisão não vigora por lá? Sandra Paulino
02/05/2009
Resignado, Quartiero deixa reserva
Quartiero aguardou tropas federais sentado em um banco de madeira ao lado de entulhos
ANDREZZA TRAJANO
Um dia após o prazo estabelecido pela Justiça para saída espontânea, o rizicultor Paulo César Quartiero deixou ontem a terra indígena Raposa Serra do Sol, ao norte de Roraima, onde por duas décadas cultivou arroz irrigado.
Polêmico como sempre, a saída dele envolveu cerca de 25 policiais – entre agentes da Polícia Federal (PF) e soldados da Força Nacional de Segurança (FNS) - e precisou ser intermediada pelo presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, desembargador Jirair Meguerian, responsável pela medida de desocupação imposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Quartiero foi submetido à execução forçada da sentença, uma vez que se negou a deixar a reserva até o dia 30 de abril, como estipulou a Corte. Ele foi encontrado pelos policiais por volta das 10h30, no interior da fazenda Providência, a 150 quilômetros da Capital, que até ontem era uma de suas propriedades.
Estava sozinho, sentado em um banco debaixo de um pé de manga. Passou a madrugada junto com funcionários demolindo as estruturas físicas da fazenda. Não sobrou nada. Materiais reaproveitáveis foram levados para a usina de beneficiamento de arroz no Distrito Industrial, em Boa Vista. O gado foi levado para uma área arrendada também na Capital.
Ao ser informado pelo coordenador executivo da Operação Upatakon 3, delegado Nelson Kneip, que deveria deixar a área indígena imediatamente, ele exigiu a apresentação de uma ordem judicial. “Se houver uma determinação judicial eu saio, agora na conversa, não. Meu interlocutor não é o senhor nem a Funai, mas a Justiça. Não aceito ser colocado para correr feito cachorro”, polemizou o arrozeiro.
Depois de adverti-lo três vezes, Kneip decidiu lavrar um auto de resistência e suspendeu a diligência para comunicar o fato ao desembargador. Meguerian estava no Lago Caracaranã, em Normandia, tentando negociar a saída pacífica de dois produtores idosos. Pela decisão do STF, qualquer desocupação forçada tem que ser autorizada pela Justiça.
Depois de sete horas, Meguerian chegou à fazenda Providência a bordo de um helicóptero do Exército, acompanhado de dois juízes federais e representantes do Ministério Público Federal (MPF) e da Advocacia-Geral da União (AGU), além do deputado federal Márcio Junqueira (DEM).
Durante esse intervalo até a chegada das autoridades, o rizicultor fez duras críticas aos órgãos envolvidos no processo de desocupação. Proferiu ofensas e ironizou a situação que se encontrara. Nem a comitiva de autoridades escapou das palavras do produtor.
Mesmo assim, o presidente do TRF optou pelo diálogo e conseguiu selar um acordo. Diante da exigência do produtor, redigiu a mão um mandado de desocupação. No documento, ele informou a decisão do Supremo que manteve a demarcação da reserva em área contínua e que a execução da medida era imediata, independente de publicação de acórdão. Também apontou a existência de arroz plantado que, segundo Quartiero, representa 400 hectares. O arroz ficou sob a responsabilidade de órgãos da União.
Ao ser informado por Jirair Meguerian que a Justiça poderá requisitar equipamentos agrícolas dele para colher o arroz – a colheita inicia na próxima quarta-feira, 06, e encerra dentro de uma semana – Quartiero reclamou.
“Vocês estão levando tudo de mim, minha fazenda, meu arroz e agora querem minhas máquinas? Não querem também levar minha mulher e filhos?”, ironizou, ao mesmo tempo ameaçando tocar fogo nas máquinas ao invés de cedê-las à Justiça.
“Esses técnicos da Conab [Companhia Nacional de Abastecimento] não vão saber colher meu arroz que é irrigado, diferente de outro tipo. Vão quebrar meus equipamentos e sei que não serei indenizado por isso. Deixe-me ficar até a colheita”, pediu ele ao desembargador, ouvindo um “não posso” como resposta.
Depois de assinar o acordo ao final do dia, que não previu o empréstimo das máquinas, as autoridades foram embora. Quartiero saiu andando em direção ao portão principal da fazenda, ao lado do deputado Márcio Junqueira, que decidiu acompanhá-lo na desocupação.
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