Todos nós, combatentes das lides jurídicas sabemos como é difícil
enfrentar a mediocridade, muito mais do que os próprios dramas que atingem a
vida de milhares de pessoas rotuladas pelo Sistema.
É uma tarefa árdua, mas gratificante, sem dúvida.
O espelho para muitos resume o mundo.
A alma, para tantos outros, reflete o dever de buscar abrigo para os
sedentos e famintos de justiça, enquanto a balança pesar somente para um dos lados: o lado
contrário ao que é justo, verdadeiro.
Esse que tem alma, chama-se Advogado!
O que não tem alma, chama-se covarde.
E o que tem medo é um pária, ainda mesmo que tenha conseguido a
inscrição nos quadros obrigatórios da entidade que massacra – especialmente em
São Paulo – os seus inscritos e inscritas, se não rezarem
segundo a “cartilha” que prescreve condutas ditas, tidas e havidas por
“ilibadas”.
Artigo da 2ª semana deste mês de fevereiro na coluna jurídica Judicandopontocom
trata do tema CRIMINALIZAÇÃO DA ADVOCACIA, discorrendo em artigo irretocável, o professor da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Salah H. Khaled Junior, sobre a
deletéria influência dos chamados meios de comunicação contra a Advocacia.
Transmissão mentirosa e sectária. Essa a rotina da maioria dos
programas que praticam pseudo-jornalismo nas tvs abertas. Se uma emissora de TV
se presta a isso, qual direito humano à informação teremos de parte dessa mesma
emissora?
Em termos de esclarecer a sociedade sobre crimes, então... eis o que ela
faz, na visão do articulista:
"...Arruína de forma
irrecuperável a possibilidade de convívio social de quem tem o infortúnio de
subitamente tornar-se cliente do sistema penal e contribui abertamente para que
essa clientela seja percebida como anormal diante da suposta normalidade de um
corpo social retratado como homogêneo, ordeiro e obediente à moral..."
Quem está dentro da caixa, onde vige a suposta normalidade desse corpo
social, é a parcela que carrega orgulhosamente nas suas fímbrias a reputação
ilibada. Oh!
Essa é a famigerada "etiqueta" que eu não tenho nem quero
JAMAIS ter.
Porque a tal da "reputação ilibada" numa sociedade doente, faz dedos serem apontados para as pessoas conscientes, como se loucas fossem. E
parte importante de agentes institucionais faz estragos quase irreparáveis nas
vidas das pessoas,muita vez, por pura vaidade, egocentrismo e desvio de poder.
Lendo o artigo do professor Khaled, lembrei do vídeo de Gabor Maté que
assisti há alguns dias, falando de "doenças mentais" como construções
culturais, mais ou menos como o que já dizia Foucault, no clásscio “Vigiar e
Punir”, sobre a loucura ou do seu "rótulo" como um verdadeiro
"controle social".
Afinal, o que é ser normal? o que é ter "reputação ilibada" em
uma sociedade hipócrita e alienada como a brasileira?
Daniela Scromov "era" uma Defensora Pública genial até o
momento em que disse que o Ministério Público concorda com o extermínio dos
"indesejáveis".
Quem são os indesejáveis? segundo as provas incontáveis e as repetições
de imagens de mães em lágrimas em todos os espaços midiáticos, notoriamente são
os pretos, pobres e periféricos de modo geral.
E PMS TAMBÉM!
Marcelo Feller “era” um advogado notável até o dia em que resolveu falar
abertamente do que acontece nas audiências das varas de Infância em SP, quando
passou a ser alguém que "flertou" com a irresponsabilidade, no dizer
de um desembargador não-sei-quem, do tribunal paulista.
E esses abutres que morrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrem de inveja dos
advogados que fazem verdadeiramente a guarda e sentinela da cidadania de todos
nós, muita vez sem cobrança de honorários (coisa que poucos sabem), querem
agora CRIMINALIZAR A ADVOCACIA.
O artigo fala ainda,
dos “reacionários culturais” e nesse ponto, imediatamente me lembrei de
publicação aqui no Blog em 19 de setembro de 2010, onde eu comento a série
INIMIGOS, exposta na 29ª Bienal de SP, de autoria do recifense GIL VICENTE,
polemizada pelo então presidente da Ordem dos Advogados paulista, que pediu
remoção dos trabalhos que entendia fazerem “Apologia ao Crime”!
Passados mais de 5 anos do caso pitoresco, ficou a vergonha para quem
criou a polêmica.
Recordo que teve até quem se desse ao trabalho de polemizar também meu
artigo, expressão livre de meu pensamento que a Constituição de meu país me
garante e um vagabundo qualquer não me pode tomar!
Esse ser, claro, tem colhido espinhos, tantas sementes pontiagudas
plantou. E essa colheita não é nem o começo.
domingo, 19 de setembro de 2010
Gil Vicente, o artista
autor das obras que incitariam violência e fariam apologia ao crime, tudo isso
segundo Dom Durso, que preside a Ordem dos Advogados do Brasil em SP,
disse que achou “curioso” que a reação contrária
à sua obra tenha acontecido apenas em São Paulo…
É PRECISO DIZER A ESSE
PERNAMBUCANO FORMIDÁVEL, QUE NEM TODOS EM SÃO PAULO (E EU SOU PAULISTANA!)
TIVERAM REAÇÃO CONTRÁRIA À SUA OBRA... somente aquelas cabecinhas cheias de
ranço autoritário, vontade de serem eternizadas pelas baboseiras que dizem,
"aparecer" na mídia como alguém ligado à moral e aos bons costumes
(oh! tradição, família e propriedade...), enfim, alguém como Dom Durso, podia
falar tamanha besteira.
Se o artista não
conhece São Paulo, convém passar uns tempos aqui, porque é uma terra tão
maravilhosa quanto Pernambuco, só não dá para comparar pessoas ignorantes com
aquelas que procuram crescer, por dentro e por fora... até porque em todo lugar
vamos encontrar os dois tipos e viva a diversidade! só não dá pra festejar o
saudosismo rançoso da ditadura que prende e arrebenta.
Aqui na OAB/SP se faz
isso com auxílio de togas & fardas, sabia? nossa Polícia nunca foi tão
violenta como está, basta ver os noticiários... a corregedoria não corrige
coisa alguma e vem aí logo Dom Durso que tem no secretário mais próximo um
coronel da PM, dizer que as obras incitam violência?
OLHA, ALGUÉM PRECISA
DIZER PARA ESSE ARTISTA, QUE A ELITE REPRESENTADA DOM DURSO, ODEIA
ESPECIALMENTE PERNAMBUCANOS COM:
- BARBA,
- BIGODE,
- "LINGUA PLESA,"
- QUE FALEM ROSNANDO
E
- TENHAM NASCIDO EM
GARANHUNS.
VOU PERGUNTAR:
"NÃO É SEU
CASO, NÃO NÉ, GIL VICENTE? SEI... VC É RECIFENSE... POIS É..."
PARA DOM DURSO É TUDO
NÓRDÉXTINO E NÃO COMBINA COM SEU ESTILO DE VIDA, DE LER A "REVISTA
CARAS" (DE PREFERÊNCIA AQUELA EM QUE ELE APAREÇA!), USURPAR AS OBRAS DE
OUTROS ADVOGADOS COMO ELE FEZ COM O PROJETO DE LEI QUE CRIMINALIZA A OFENSA ÀS
PRERROGATIVAS QUE É DE AUTORIA DO ADVOGADO LAERTES DE MACEDO TORRENS E ELE
PEGOU E O PÔS O SEU PRÓPRIO NOME EM CIMA, COMO SE NÃO FOSSE NADA DE MAIS...
E tem mais: mesmo que
essa morte QUE DOM DURSO CHAMA DE INCITAÇÃO AO CRIME seja apenas
"figurada" , quando se trata de prepotência... a gente sabe o que
acontece!
MATAR O LULA NÃO TEM
PROBLEMA, MAS O FHC E O PAPA, SÍMBOLOS DA ELITE... É CRIME!
DE MINHA PARTE, FICA
AQUI A SUGESTÃO PARA GIL VICENTE: PARA A ALEGRIA DA MAIORIA DOS ADVOGADOS
PAULISTAS MATE DOM DURSO! AFINAL, QUANDO ELE
RECEBER TODA A ATENÇÃO DE QUE SE ACHA MERECEDOR E A MÍDIA VOLTAR OS HOLOFOTES
TODOS PARA ELE, MOSTRANDO QUE SÓ QUERIA DEFENDER O IMPÉRIO DA LEI, COMO
PALADINO DA JUSTIÇA QUE ELE MOSTRA SER, ENFIM, QUANDO SEU EGO ESTIVER BEM
CHEIO, INFLADO E ELE SENTIR QUE SUA AUTO-ESTIMA TOMOU UM "UP", PODE
SER QUE SE SINTA SATISFEITO E PARE DE CRIAR CASO.
DOM DURSO TEM PROBLEMA
DE AUTO-AFIRMAÇÃO QUE PARECE TER SE EXACERBADO DESDE QUE UM JUIZ AQUI EM SP
FALOU QUE ELE NÃO É ADVOGADO, NEM PASSAVA NO EXAME DE ORDEM E ELE FOI ASSIM,
PIORANDO, PIORANDO, AO PONTO DE HOJE EM DIA ELE PERSEGUIR ADVOGADOS E ADVOGADAS
QUE NÃO SE DOBREM AOS ABUSOS E AMEAÇAS, QUE ELES (DOM DURSO E SEUS
AMIGOS) COMETEM. MANDAM AGREDIR DENTRO DE QUARTÉIS, ONDE NÃO HÁ DEFESA,
SÓ FORÇA BRUTA... E OUTRA COISA QUE SE NOTA COM FREQUÊNCIA: ESTÃO SEMPRE
METIDOS HOMENS COM HOMENS, QUE SÃO PARTE DE UMA CERTA IRMANDADE E SÃO TODOS
AMIGOS DOS AMIGOS... É DIFÍCIL DE SE ENFRENTAR ESSA LUTA TÃO DESIGUAL.
E SOBRE VIOLÊNCIA,
POSSO DIZER DE EXPERIÊNCIA PRÓPRIA COM DOM DURSO: ELE REALMENTE NÃO LIGA A
MÍNIMA PARA O RESPEITO PELA DIVERSIDADE, PELOS COLEGAS, PELO PROCESSO E PELO
REGIME DEMOCRÁTICO.
EMBORA EXISTA UM ESTATUTO QUE REGE NOSSA CARREIRA, ELE PASSOU POR CIMA,
ATRAVÉS DE SEUS SERVIÇAIS E DECRETOU MINHA SUSPENSÃO PROFISSIONAL SEM PROCESSO,
SEM ACUSAÇÃO FORMADA, SEM NEM MESMO SABER DO QUE SOU ACUSADA E SEM EU PODER
ME DEFENDER!
ENFIM, ELE ACHA QUE PODE SAIR MASSACRANDO QUEM PENSA DIFERENTE, PORQUE
NEM PENSAR E EXPRESSAR A OPINIÃO PODE! PARA ELE, AINDA ESTAMOS EM PLENA
DITADURA! ONDE JÁ SE VIU EXIBIR "JE VOUS SALUE MARIE" EM PLENO SÉCULO
VINTE? TEM QUE CENSURAR, ISSO É ABSURDO? ONDE JÁ SE VIU MOSTRAR AQUELA NOVELA
ROQUE-SANTEIRO? TEM QUE CENSURAR... ONDE JÁ SE VIU, AGORA, JÁ NO SÉCULO VINTE E
UM, MATAR FH? LULA AINDA VÁ LÁ... É
NORDESTINO...
E AGORA QUE PERCEBEU
QUE DEU O MAIOR "FORA", AINDA VAI TENTAR COM OS AMIGUINHOS
POLICIALESCOS QUE ELE TEM NO MINISTÉRIO PÚBLICO, CONSEGUIR, COM ALGUMA BRECHA
NA LEI, INTIMIDAR O ARTISTA PARA QUE SUAS OBRAS SEJAM RETIRADAS DA BIENAL.
ACREDITO QUE NÃO VAI FALTAR ADVOGADO PARA DEFENDER A QUESTÃO... DEFENDER O
DIREITO DO ARTISTA!
ASSIM COMO, MERCÊ DE
DEUS, NÃO FALTOU A MIM TAMBÉM...
PARA DOM DURSO, MESMO
SENDO O PRESIDENTE DA OAB DE SP, PELO JEITO, TÁ FALTANDO ADVOGADO, PORQUE ELE
SÓ TEM JUIZ MILITAR QUE O DEFENDA... E O SUJEITO TEM HISTÓRICO COMPLICADÍSSIMO,
DE VIOLÊNCIA MESMO: ESTEVE ENVOLVIDO NO PLANO DE ASSASSINATO DO PROFESSOR HÉLIO
BICUDO HÁ QUASE VINTE ANOS...
DOM DURSO ACEITA E SE
BENEFICIA DA DEFESA FEITA POR PESSOAS COMO ESSAS, QUE SE COMPRAZEM NA
VIOLÊNCIA. E NÃO HÁ QUEM DEFENDA A PRERROGATIVA DE QUEM ENFRENTE PESSOAS ASSIM.
DAÍ VEM A CONCLUSÃO:
ISSO É INCITAÇÃO À
VIOLÊNCIA!
FARISAICO, DEFENDE A
LEI E A ORDEM, CONDENA A APOLOGIA AO CRIME, MAS TUDO ISSO É APENAS JOGO PARA A
TORCIDA, PORQUE NO FUNDO, CONCORDA COM OS MÉTODOS QUE OS AMIGOS USARAM NO
PASSADO E AINDA USAM:
AMEAÇAR DE MODO
ANÔNIMO, MAS DEIXANDO PERCEBER QUE FORAM POLICIAIS OS AUTORES DA AMEAÇA;
FALAR EM ESTUPRO
CONTRA A ESPOSA E FILHAS DA VÍTIMA;
INTIMIDAR A FUNÇÃO
PÚBLICA QUE A VÍTIMA EXERCE (DR. HÉLIO BICUDO, VALENTE PROMOTOR QUE LUTOU
CONTRA O ESQUADRÃO DA MORTE, O QUE POUCOS SABEM!);
DESQUALIFICAR A VÍTIMA
IMPUTANDO LOUCURA CONTRA ELA PARA DESACREDITÁ-LA;
ORQUESTRAR RETALIAÇÃO
CONTRA O NOME, A VIDA, A HONRA, A FAMÍLIA E RETIRAR QUALQUER CHANCE DE DEFESA
DA VÍTIMA!
AMIGOS COMO ESSE JUIZ
QUE FOI CAPITÃO DA POLÍCIA MILITAR PAULISTA E QUE TEM ENTRE SEUS ANTECEDENTES,
ENVOLVIMENTO EM QUATRO ASSASSINATOS, (TODOS DE VERDADE, NÃO FIGURADOS COMO
AS OBRAS DO ARTISTA!) PARA AGRADAR DOM DURSO, FAZEM SUA DEFESA DE
MANEIRA INCONDICIONAL!
ESSE MESMO JUIZ,
EX-INTEGRANTE DA MESMA POLÍCIA QUE AINDA MATA (E COMO MATA: PRINCIPALMENTE
PRETO E NORDESTINO!) NÃO FAZ APENAS A DEFESA DE DOM DURSO, SEM
PROCURAÇÃO, DE GRAÇA... FAZ TAMBÉM O ENORME FAVOR DE ME PRESENTAR E DIZER QUE
EU OFENDI E AGREDI O NOME DO PRESIDENTE DA OAB! E CHAMA OUTROS
ADVOGADOS, TAMBÉM EX-MILITARES, TODOS COM HISTÓRICO GRAVÍSSIMO DE VIOLÊNCIA
REAL, PARA AJUDAR A ME PERSEGUIR, COM TESTEMUNHOS QUE NÃO TEM O MENOR VALOR
DIANTE DA VERDADE.
VOU VER SE CONSIGO
APRENDER A POSTAR CÓPIAS EM MODO ELETRÔNICO E VOU DEIXAR UMA CÓPIA DA DEFESA DO
JUIZ QUE SE TRAVESTE DE ADVOGADO E PROVAR COMO É A CAMARILHA DA INJUSTIÇA AQUI
EM SP ...
p.s.
- homenageio aqui os bons militares que a Corporação tem e que não podem, pelo
Regulamento Disciplinar, expressar opinião!
Você não leu errado. Criminalização da
advocacia é exatamente o nome apropriado para descrever o processo de
destruição simbólica da figura do advogado que a grande imprensa está
conduzindo nos últimos meses. Certamente essa é uma surpreendente novidade,
ainda que condizente com o histórico das últimas décadas.
A indústria que fabrica criminologia
midiática prospera como nunca, apesar dos inúmeros danos que provoca. Continua
a experimentar uma hipertrofia assustadora, que amplia seu poder para muito
além dos limites do que seria aceitável. Sua vocação para a produção de
cadáveres é amplamente (re)conhecida: contribui de forma decisiva para a
disseminação do ódio e comemora com entusiasmo práticas punitivas que flertam
abertamente com o fascismo.
Intencionalmente ou não, essa máquina
conspira contra a própria democracia. Sua formidável aptidão para a destruição
de indesejáveis é praticamente inigualável. Reduz pessoas a estereótipos que
refletem consolidadas imagens lombrosianas da criminalidade e transforma
processos em máquinas de confirmação de abjetas expectativas de punitividade.
Arruína de forma irrecuperável a possibilidade de convívio social de quem tem o
infortúnio de subitamente tornar-se cliente do sistema penal e contribui
abertamente para que essa clientela seja percebida como anormal diante da
suposta normalidade de um corpo social retratado como homogêneo, ordeiro e
obediente à moral.
Os empreendedores morais que conduzem
tais cruzadas são idolatrados por uma parcela significativa da população, que
consome uma criminalidade que é vendida como produto e delira com uma
criminalização que é da ordem do discurso, mas que em muitos casos é a
instância decisiva para a determinação do destino dos eventuais acusados.
Diante desse cenário, a surpreendente novidade é que a máquina criminalizante
recentemente desenvolveu uma inovação significativa: o processo de reconstrução
discursiva por ela promovido passou a se dedicar à criminalização da advocacia.
Dito de forma simples, costumamos
pensar em criminalização como a criação e aplicação da lei penal. Sob esse
aspecto, poderíamos pensar em criminalização primária e secundária e na
seletividade social decorrente da impossibilidade de funcionamento do programa
criminalizante para além da mera abstração legal. Evidentemente o que refiro
como criminalização da advocacia não se enquadra nessa definição: é necessária
uma breve releitura do conceito para desvelar o sentido da provocação, o que
certamente não é algo inédito.
A noção de criminalização foi
recentemente ampliada no âmbito da chamada criminologia cultural para abranger
também a criminalização de produtos culturais, criadores e consumidores. É
comum que expressões culturais que não se conformam aos vetores da estética
dominante sejam satanizadas e criminalizadas pela grande mídia. Rap, Heavy
Metal, Funk, Histórias em Quadrinhos, Games e inúmeras outras formas de arte
foram sistematicamente criminalizadas por um discurso que efetivamente
substitui as expressões originais por imagens supostamente dotadas de efeitos
criminógenos. A opinião publicada vende assim a ilusão de que a arte deve ser
combatida e reacionários culturais ventilam pânico moral como se fosse verdade
acabada. O resultado do processo pode ser definido com criminalização cultural,
que se diferencia da criminalização com sentido estritamente penal, ainda que
porventura possa conduzir a ela.
As discussões acima referidas já estão
consolidadas e integram uma significativa tradição de abordagem criminológica
do funcionamento da máquina de trituração do outro que é o poder punitivo. Como
também é amplamente (re)conhecido, o poder punitivo é um agente de destruição
do diferente. A dissociação entre objeto de persecução e o restante da
população é parte integrante de sua lógica, uma vez que permite que a pessoa
reconstruída como inimiga torne-se objeto de aplicação de um aparato que emprega
força com uma intensidade que de outra forma não seria aceita. A brutalidade só
é aceita porque é voltada contra eles e não contra nós. Para isso é preciso
difundir o discurso binário que opõe a sociedade e seus inimigos, o que tem
raízes históricas facilmente identificáveis. O hostis, o herege, a bruxa, o
homem delinquente e tantas outras figuras demonizadas historicamente mostraram
a sua serventia para a logística que governa a agenda de um poder punitivo
extremamente seletivo.
Estabelecidas essas premissas, o que
estamos testemunhando no Brasil nos últimos meses é um fenômeno sem igual,
salvo melhor juízo. Trata-se de um intenso processo de destruição da imagem do
advogado e de desidentificação de sua figura com a sociedade. Ele é retratado
como procurador "deles" e, logo, alguém que está contra
"nós". Nesse sentido, a insistência com que é disseminada a imagem
demonizada de advogados sugere que a noção de criminalização pode comportar um
acréscimo de sentido, uma vez que a representação narrativa que caracteriza o
esforço de destruição midiático revela perante o "público" uma figura
espúria, movida exclusivamente por seus interesses particulares e de seus
clientes. Contratado por criminosos, ele também é de certo modo retratado como
agente da criminalidade: conspira para que a "impunidade" prevaleça,
obstaculizando a expediente e célere aplicação da justiça, ou seja, a imposição
da pena. Por outro lado, "agentes da lei" são retratados como
paladinos da justiça que têm a coragem de confrontar os "inimigos da
sociedade". Pouco importa a flagrante indistinção de funções e
sobreposição de papéis entre investigadores, acusadores e julgadores: o que
importa é que todos colaboram para a empreitada comum que é a derrocada de
acusados e seus "advogados escusos" e discursivamente criminalizados.
Os manifestos que apontam as inúmeras
ilegalidades perpetradas em nome do combate aos inimigos eleitos são
solenemente ignorados ou ironicamente rebatidos pela maioria da grande
imprensa. As denúncias de violações aos direitos fundamentais dos acusados são
interpretadas como mera retórica de advogados. O discurso é vilipendiado e os
signatários grosseiramente ridicularizados. Muitas vezes os textos também são
assinados por professores, promotores, defensores públicos e juízes, mas isso
não basta para que não sejam desclassificados como simples manifestações de
advogados em um processo específico e, logo, reflexo de seus "interesses
particulares". Os "contrapontos" empregados na cobertura
jornalística de processos produzem uma ilusão de pluralidade, mas o ponto de
vista dissidente da narrativa persecutória é rotineiramente contemplado de
forma menos significativa no texto. Trata-se de um consolidado expediente
jornalístico de produção de "verdade" pela grande mídia. Tudo isso contribui
para a fixação de uma imagem pejorativa da advocacia no imaginário popular, o
que pode ou não ser mero efeito colateral, mas inegavelmente produz resultados
devastadores, já que é feito de forma contínua e reiterada.
Parece perceptível que um perigoso nó
de forças converge para de forma sistemática aviltar, desprestigiar e aniquilar
a própria ideia de defesa, como se ela fosse um obstáculo indesejável para a
concretização de uma justiça que é identificada com o poder punitivo. O
resultado é visível: a própria advocacia é criminalizada perante a
"opinião pública", o que se assemelha ao que referi anteriormente
como criminalização cultural, ainda que com efeitos possivelmente muito mais
dramáticos. Para a consecução dessa detestável finalidade, uma verdadeira
máquina de desinformação é colocada em funcionamento, como recentemente ocorreu
com Nilo Batista. No entanto, é importante enfatizar que a estratégia não
consiste na simples tentativa de destruição da reputação de um único advogado
ou escritório de advocacia. A escala é muito maior. Não é a simples retratação
demonizada de um advogado específico em um caso particularmente polêmico, ainda
que renomados advogados tenham experimentado o sabor amargo do veneno destilado
pela criminologia midiática: é a advocacia em si mesma que tem sido vítima de
cruzadas morais da grande mídia e até mesmo de entidades representativas de
classe que movidas por um impensado sentimento de solidariedade com pares,
tratam os advogados como se inimigos fossem.
Tudo isso é extremamente preocupante, o
que aparentemente escapa aos olhos de espíritos menos sensíveis e adestrados
pelo fascismo reinante. Pode existir democracia sem possibilidade de
resistência? Não exercem os advogados uma função social indispensável, o que
inclusive é expressamente definido pelo próprio texto constitucional? A
grandeza do advogado não consiste precisamente na sua capacidade para resistir?
Para resistir ao verdadeiro maremoto punitivista irracional que se volta contra
a liberdade do cidadão e com isso efetivamente barrar a arbitrariedade, como se
exige em um Estado Democrático de Direito? Para garantir que a eventual punição
não viole as regras do jogo? Não tenho dúvida de que a imensa maioria das
pessoas não discordaria, o que vale inclusive para boa parte dos que veiculam o
discurso criminalizante. Mas se é assim, como explicar que tantas pessoas
tenham sucumbido aos encantos do fascismo reinante? Como explicar que possam
diminuir de forma tão explícita a figura essencial do advogado, quase como se
lamentassem a sua própria existência?
Creio que uma possível explicação é
fato das pessoas terem sucumbido ao ódio. O país experimenta hoje uma cisão
profunda. O embate político acirrou os ânimos de tal modo que aparentemente
tudo se tornou aceitável para promover a destruição do adversário, que é
visivelmente tido como inimigo. Não basta eventualmente vencer. É preciso
devastar. É preciso assassinar por completo o inimigo para que não lhe reste
nenhuma possibilidade de redenção. Não apenas o seu patrimônio político como
também a sua própria pessoa em si mesma e inclusive as que lhe são de algum
modo próximas. E para isso nenhum preço a pagar é alto demais. É um
utilitarismo desmedido, que despreza completamente a forma e considera qualquer
meio aceitável para a concretização do fim esperado. Um utilitarismo que não
mostra nenhuma espécie de restrição e não se importa com os destroços que
decorrem de sua passagem. Ele está arruinando vidas e instituições com
impressionante voracidade e velocidade. Pode arruinar a própria democracia.
Combater a corrupção não pode equivaler
a criminalizar a advocacia, o que potencialmente inviabiliza a própria
democracia, que está sendo corroída a cada dia por um discurso assustadoramente
sedutor. Creio que o que sustentei aqui não é passível de desclassificação
pelos habituais recursos ao paradigma simplificador. Não exerço a advocacia.
Tenho orgulho de pertencer aos quadros da OAB/RS, mas sou apenas um professor e
escritor que tem enorme simpatia pela figura do advogado e amor pela
democracia.
Estou retornando em definitivo ao
Justificando. Escrevo todas as sextas. Até a próxima coluna. Um grande abraço e
bom fim de semana!
Salah
H. Khaled Jr. é Doutor e mestre em Ciências
Criminais (PUCRS), mestre em História (UFRGS). Professor da Universidade
Federal do Rio Grande (FURG). Escritor de obras jurídicas. Autor de A Busca da
Verdade no Processo Penal: Para Além da Ambição Inquisitorial, editora Atlas,
2013 e Ordem e Progresso: a Invenção do Brasil e a Gênese do Autoritarismo Nosso
de Cada Dia, editora Lumen Juris, 2014 e e co-autor, com Alexandre Morais
da Rosa, de In dubio pro hell: profanando o sistema penal, Empório do Direito,
2015.
Foto: Nilo Batista
No final, volto ao começo deste artigo, repetindo que o espelho para
muitos resume o mundo.
E acrescento com destino certo, versos roubados de Caetano, de que “narciso acha feio o que não é espelho e a
mente apavora o que ainda não é mesmo velho, nada do que não era antes quando
não somos mutantes”.
Sandra Paulino
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