quarta-feira, 28 de março de 2012

lei da anistia - As questões jurídicas foram deixadas de lado.

Excelente seu artigo, Cid Benjamin. Parabéns pela sua contribuição à verdade!
Sandra Paulino




OPINIÃO


Com o aval do Supremo

Cid Benjamin - jornalista

O debate sobre a abrangência da Lei da anistia tem sido marcado por desinformação e por

bobagens - ditas inclusive por integrantes do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da

interpretação da Lei da anistia, em abril de 2010. De lá até hoje repete-se à exaustão que a lei aprovada

protegia assassinos, torturadores e estupradores de presos políticos - algo que não é verdade.

Vamos aos fatos.

Como resultado da convergência entre a pressão popular pela democracia e o processo de

abertura do regime militar, a Lei da anistia foi votada em meados de 1979.

O projeto aprovado não era o da oposição, nem teve seus votos. O então MDB, a OAB, a ABI e

os vários comitês de anistia tinham uma proposta diferente. Como a ditadura contava com maioria no

Congresso (em parte por conta das cassações de mandatos), seu projeto acabou aprovado. Mas foi um

placar apertado: 206 a 201 votos. Aqui cai, então, uma primeira mentira. Fica claro que a Lei da anistia

não foi fruto de um acordão entre ditadura e oposição.

Qual a diferença básica entre os projetos de cada lado?

A oposição queria uma anistia ampla, geral e irrestrita. No jargão da época isso significava que

não haveria discriminação entre os acusados e condenados por participar de ações armadas contra o

regime e os demais presos e perseguidos políticos. Já o projeto da ditadura excluía os participantes do

que ela chamava de "crimes de sangue" - entendidos como ações em que tivesse havido feridos ou

mortos. Tendo sido aprovada a proposta dos militares, a anistia não beneficiou certo número de presos

ou exilados. Estes foram libertados ou puderam voltar ao país devido à redução de suas penas, o que foi

possível pela revisão da Lei de Segurança Nacional.

Posteriormente, a ditadura e seus defensores utilizaram a expressão "crimes conexos aos crimes

políticos", constante do projeto aprovado, para tentar estender a anistia aos integrantes do aparato

repressivo. Ora, qualquer jurista bem-intencionado demonstrará, com facilidade, que esse artifício é um

descalabro. Crime conexo é quando alguém comete um crime menor para viabilizar outro, maior. Por

exemplo, falsifica documentos para cometer outro tipo de crime. Ou rouba um carro para usar num

assalto a banco. A punição é pelo crime "maior". E o que a Lei da anistia queria dizer ao lembrar os

"crimes conexos" é que eles também estavam abrangidos pelo texto aprovado.

Considerar que torturas, estupros e assassinatos de acusados de delitos políticos seriam "crimes

conexos" é uma interpretação de fazer corar qualquer magistrado que se preze. Mas não se tem notícia

de qualquer ministro do Supremo que tenha se envergonhado de aceitá-la.

Mas há algo ainda mais grave. Ainda que se aceitasse esta interpretação absurda sobre os

"crimes conexos", fica uma pergunta: torturas e assassinatos não seriam o que os militares chamaram de

"crimes de sangue"? Não estariam, portanto, fora da abrangência da anistia, assim como os "crimes de

sangue" cometidos por opositores da ditadura estiveram?

Esquecer isso é tão absurdo como reescrever a história de forma mentirosa e afirmar hoje que a

consigna "anistia ampla, geral e irrestrita" tinha como objetivo proteger torturadores e assassinos.

Francamente, duvido que os argumentos apresentados acima sejam novidade para o ministro

Eros Grau - relator na ação da OAB ajuizada no STF - e seus pares.

O que houve foi, simplesmente, um julgamento político. As questões jurídicas foram deixadas de

lado. E, mais uma vez, 28 anos depois do fim da ditadura, ficou demonstrado que os militares ainda têm

poder de veto sobre certas questões. Com a aquiescência do Supremo.

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