Gaza é um lugar terrível. Um milhão e meio de pessoas vivem no meio de um mar de pobreza, falta de cuidados básicos de saúde pública, desemprego, ignorância, violência, túneis e contrabando de armas. A população sobrevive diariamente graças à ajuda das Nações Unidas. O final do ano costuma ser uma época de balanço para os decisores políticos. Estes balanços são particularmente importantes em lugares arruinados e com poucas ou nenhumas perspectivas de futuro. Gaza é disso um bom exemplo. Aí, o Hamas teve de fazer um balanço aparentemente simples: avaliar os resultados da trégua de seis meses com Israel.
Tendo em conta que o Hamas governa Gaza e é responsável pelo bem-estar e futuro da população local, o mais natural é pensar que a renegociação da trégua com Israel seria do seu interesse. Mahmoud Abbas, Presidente da Autoridade Palestiniana, tornou claro o seu pensamento sobre o assunto: "Falámos com eles (o Hamas) e dissemos-lhes: 'Por favor, pedimo-vos, não ponham fim à trégua. Deixem a trégua continuar e não parar' e assim poderíamos ter evitado o que aconteceu". A liderança do Hamas foi por outro caminho e na véspera do Natal disparou uma barragem de foguetes em direcção às cidades no Sul de Israel. Desde o passado sábado, Israel tem vindo a responder com uma intensa operação aérea contra todas as infra-estruturas políticas e militares do Hamas em Gaza.
Do ponto de vista estratégico, Gaza levanta duas questões importantes. A primeira é perceber o que é que levou o Hamas a atacar Israel de uma forma tão pública agora. A segunda é compreender o que é que levou os decisores políticos e militares israelitas a reagir de uma forma tão dura e sistemática.
Começando pela primeira questão, a última semana tornou abundantemente claro que, exceptuando a Síria, nenhum decisor político árabe está verdadeiramente interessado em ver o Hamas ser bem sucedido em Gaza ou a liderar o que resta da causa palestiniana. Nos últimos dias tem-se falado muito do bloqueio económico e naval de Israel a Gaza. Este bloqueio é real. O bloqueio decisivo, todavia, para os dirigentes do Hamas é aquele que se verifica na fronteira com o Egipto, em Rafah. Tal como Telavive, no Cairo olha-se com enorme suspeita para o Hamas.
Governar para o bem comum dos habitantes de Gaza implica um novo entendimento do Hamas com o Egipto e com Israel. O Hamas sabe que um entendimento deste tipo teria consequências drásticas para a sua ideologia e objectivos políticos.
Num contexto deste tipo, atacar Israel é a melhor prova das dificuldades da liderança do Hamas em Gaza. Como se tem visto nos últimos dias, um ataque contra Israel é uma opção muito arriscada. Dito isto, é uma opção que tem algumas virtudes políticas para o Hamas aparecer à sociedade palestiniana e ao mundo árabe e islâmico como o verdadeiro líder da resistência a Israel, diminuir o poder e a influência da Fatah na Cisjordânia e mostrar às opiniões públicas árabes que é possível atacar as cidades israelitas são alguns dos exemplos mais óbvios.
Do ponto de vista de Israel, o Hamas não é uma ameaça existencial. Além disso, a guerra civil que tem decorrido entre a Fatah e o Hamas nos últimos anos diminuiu ainda mais a capacidade dos palestinianos ameaçarem verdadeiramente os interesses estratégicos de Telavive. Quem é que fala pelos palestinianos hoje em dia? A trágica resposta é ninguém! Como explicar então a intensidade das operações militares da Força Aérea israelita contra o Hamas em Gaza?
Gaza tem sido, e vai obviamente continuar a ser, uma dor de cabeça política e militar para Telavive. Nos últimos anos, a principal opção de Israel em Gaza tem sido a coerção económica. Esta coerção tem sido gerida pelos decisores israelitas de maneira a punir o Hamas sem criar ao mesmo tempo uma crise humanitária excessivamente grande. Os resultados desta opção não têm sido famosos para Israel. O fim da trégua pelo Hamas deu a Telavive uma oportunidade para tentar mudar os termos do seu relacionamento com o seu inimigo em Gaza. A liderança israelita decidiu aproveitar esta oportunidade ao máximo.
As operações militares israelitas visam atingir três objectivos. O primeiro é diminuir a força política e militar do Hamas em Gaza. O segundo é diminuir o número de ataques com foguetes contra os civis nas cidades israelitas. Estes ataques têm vindo a atingir cidades cada vez mais próximas de Telavive. O terceiro objectivo visa apagar os fantasmas da guerra de 2006 contra o Hezbollah no Líbano. Em Israel teme-se que a maneira como essa guerra foi conduzida tenha diminuído a sua credibilidade militar e a capacidade dissuasora. Gaza está a ter custos para a imagem internacional de Israel, mas é uma maneira de restaurar a sua reputação militar numa região com uma história brutal.
A grande questão agora é saber até onde é que o Hamas e Israel estão dispostos a ir para concretizar os seus objectivos estratégicos.Robert Fisk e o Médio Oriente
Robert Fisk tinha 29 anos e estava em Porto Covo quando recebeu um convite extraordinário: ser correspondente do 'The Times' no Médio Oriente. Fisk aceitou o convite mas nunca imaginou que 33 anos depois continuaria a viver e a escrever sobre esta turbulenta região. 'A Grande Guerra pela Civilização; A Conquista do Médio Oriente' (Lisboa: Edições 70, 2008), 1234 páginas, €44.00, é o resultado das suas viagens e reportagens da Argélia ao Afeganistão para o 'The Times' e 'Independent' durante as últimas três décadas.
Fisk é extremamente crítico de Israel e da política de sucessivas administrações americanas para o Médio Oriente. É também um escritor e uma testemunha poderosa dos trágicos acontecimentos que têm varrido esta região desde o final da Primeira Guerra Mundial.
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